A conferência do professor Kabengele Munanga sobre a importância da História da África e do Negro no Brasil marcou o encerramento do VII Encontro Estadual de História, realizado no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), campus de Cachoeira, na última sexta-feira, dia 03 de outubro. Nascido no Congo e considerado um dos maiores especialistas em Antropologia Cultural, o professor aposentado pela Universidade de São Paulo (USP) foi recebido em sua nova “casa”, onde será professor visitante sênior pela Capes.
O professor de História da África da UFRB, Juvenal de Carvalho, atualmente pró-reitor de Planejamento da instituição, foi o responsável pelas boas-vindas. Carvalho dispensou apresentações formais e o definiu como o “velho sábio” Kabengele Munanga. “Na cultura africana, esse vocativo não diz respeito apenas à idade. Velho é aquele que detém o conhecimento”, disse. Munanga agradeceu a apresentação do colega e reconheceu: “de fato, sou um velho, mas com o espírito jovem que quer aprender e que aprende todos os dias”. Sobre o tema de sua conferência, ele defendeu a importância de conhecer o nosso passado e a origem histórica de expressões como “identidade nacional” para propor novas perspectivas.
“Tudo é história e tudo tem história. Ao desconsiderar essa premissa, acabamos por tratar todos os temas como questão natural”, afirmou Munanga. Nesse sentido, ele defendeu o reconhecimento das identidades particulares no contexto nacional e a urgência de se implantar políticas de valorização e respeito às diferenças através de uma pedagogia multicultural. “Na contramão da globalização neoliberal homogeneizante, essa é uma questão vital no processo de construção de uma cidadania duradoura e verdadeira. O Brasil, um país que nasceu justamente do encontro das culturas e civilizações, não pode se ausentar desse debate”, disse. Para ele, o melhor caminho é o que acompanha a dinâmica da sociedade através das suas reivindicações e não aquele que se refugia numa abordagem superada de mistura racial.
Ações afirmativas - Dentre as ações necessárias, Munanga defende a política das cotas não apenas no sistema educativo superior, mas em todos os setores da vida nacional. “Sem construir a sua identidade racial ou étnica, o negro não poderá participar do processo de construção da democracia e identidade nacional plural em pé de igualdade com seus compatriotas”, destaca. Outra grande contribuição é a correção do ensino da História da África e do negro na escola brasileira, que, segundo ele, sempre foi repassado de maneira distorcida, falsificada e preconceituosa. “Como a história de todos os povos, a da África tem passado, presente e continuidade. Mais do que isso, sendo a África o berço da humanidade, é a partir dela que a história começa e nela se desenvolveram as grandes civilizações”, relembra.
Memória esquecida – O antropólogo afirma que o Brasil levou muito tempo para resgatar a memória da escravidão. Por isso, em sua opinião, o abolicionismo se configurou como uma data ambígua e não uma ruptura, pela sua incapacidade de transformar as desigualdades sociais e dar uma resposta ao racismo que se seguiu. “No entanto, não devemos fazer confusão entre a história do problema e o problema da história”, pontuou Munanga. Para ele, a questão fundamental não está na raça, que é uma classificação pseudocientífica rejeitada pelos próprios cientistas da área biológica. “O nó do problema está no racismo que hierarquiza, desumaniza e justifica a discriminação existente”, disse.
Sobre o evento
Promovido pela Associação Nacional de História - seção Bahia (ANPUH-Ba) em parceria com a UFRB, o VII Encontro Estadual de História teve início no dia 30 de setembro, com o tema “Diálogos da História”. Para o coordenador geral do evento, professor Fabrício Lyrio Santos, a palestra de Kabengele Munanga foi um dos momentos mais aguardados da programação que reuniu mais de mil inscritos. “Não tenho a menor dúvida de que este evento trouxe uma contribuição fundamental para o processo de consolidação da UFRB tanto em nível regional quanto nacional”, afirmou.
Após a conferência de Munanga, foi realizada a mesa redonda "Memórias e Ditaduras" sobre os 50 anos do golpe militar no Brasil, com a presença do professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rogrigo Motta, atual presidente da ANPUH-Brasil. Ainda na oportunidade, tomou posse a nova diretoria da ANPUH-Ba, tendo na presidência o professor da UFRB Sérgio Guerra Filho.