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OS ÚLTIMOS CAÇADORES-COLETORES

Os Hadzas possuem o DNA mitocondrial mais antigo já testado em uma população humana -- eles podem estar entre as linhagens mais antigas, no sentido de "mais intocadas", do planeta. Eles vivem no interior da Tanzânia, 50 quilômetros do desfiladeiro de Olduvai, uma área chamada de "Berço da Humanidade" por conta do número de fósseis de hominídeos encontrados no local e do sítio de Laetoli, famoso pelas pegadas preservadas em cinzas vulcânicas de 3,7 milhões de anos atrás (o segundo local com a evidência mais antiga conhecida do bipedalismo, a capacidade humana de andar em pé).

Evidências arqueológicas sugerem que a área tem sido ocupada por caçadores-coletores, como os Hadzas, desde pelo menos o início da Idade da Pedra, há 50.000 anos. Um povo que não pratica agricultura, nem pecuária e não armazena alimentos. Eles forrageiam, o que quer dizer que não há nada para comer pela manhã e eles andam na savana por algumas horas e colhem o que precisam -- frutas, mel ou um pássaro, tubérculos (plantas que possuem raízes grossas e comestíveis) e baobás picantes.

Os Hadza são "os últimos dos primeiros", um laboratório vivo para a psicologia evolutiva, a ecologia comportamental e antropologia evolucionista. É possível encontrar vários "universais humanos" entre eles: as avós também auxiliam na criação dos netos, o que aumenta a sobrevivência infantil ("Grandmother Hypothesis": ao redirecionar a energia para a prole de seus filhos, as avós garantem a sobrevivência de seus genes através das gerações mais jovens e tornam adaptativa a própria idade pós-reprodutiva); os melhores e mais generosos caçadores e fornecedores de recursos são os parceiros mais desejados pelas mulheres (com maior mate value); os homens são melhores em habilidades espaciais do que as mulheres e as mulheres são melhores em memória topográfica[3]; o risk taking (comportamento de risco) dos homens Hadza é maior do que o das mulheres mesmo na infância. Além disso, a força do tronco superior de um Hadza prevê reputação de caça e sucesso reprodutivo, exatamente o que esperaríamos de uma espécie sexualmente dimórfica.

A cooperação social é fundamental para eles, incluindo o cuidado cooperativo da prole (teoria do apego em grupo). Para aqueles que pensam que o amor é uma invenção moderna, a paixão, intimidade e comprometimento também são os principais fatores que aumentam o sucesso reprodutivo dos Hadza. Homens Hazda com tom de voz mais grave, um indicativo de tamanho de pregas vocais e distribuição de testosterona, são mais bem sucedidos[9]. Entre eles, a competição também é mais vista entre os homens que entre mulheres. As redes sociais dos Hadzas exibem propriedades importantes também vistas nas redes sociais modernas, como laços de intimidade, transitividade, reciprocidade e homofilia. Eles também compartilham da média de atratividade e simetria faciais do restante do mundo, o que é um forte indício a favor da tese de que a percepção do que é uma face bela é universal. Para os Hadza, o conceito de caráter moral também está presente, mas com percepções diferentes de quem possui.

Importante dizer que, apesar de serem uma sociedade relativamente intocada, os Hadzas não são "fósseis vivos". Eles também evoluíram genética e culturalmente ao longo dos milênios e adotaram, há muito tempo, novas ferramentas, como pontas de flechas feitas de metal e panelas. Ainda assim, em sua rica savana, os Hadzas oferecem uma visão única do modo de vida e das pressões seletivas que permitiram o surgimento dos humanos modernos, o que inclui até a comparação do cérebro de um Hadza em relação ao cérebro de um nova iorquino de linhagem misturada. Infelizmente, o turismo e o avanço dos agricultores são fatores que estão extinguindo a cultura Hadza, e hoje eles são apenas algumas centenas.

Os Hadzas são mais felizes que os europeus modernos. Se existe neles uma diferença cultural que serve como uma lição para o homem moderno, é que, na sociedade Hadza, o conceito de "preocupação" como algo relacionado ao futuro ou ao passado simplesmente não existe. Seguindo os passos de seus ancestrais, eles realmente vivem o momento. Pode parecer contraditório, mas quando o foco é na sobrevivência diária, a coisa mais natural a fazer é não se preocupar com o futuro; assim, não há necessidade de "alinhamento dos chakras" para se manter centrado ou mindfulness para experimentar o "aqui e agora". Os Hadzas, sem pensar muito, mantiveram o foco inalterado ao seu próprio modo de vida no decorrer de milhares de anos. Eles apenas são.

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Texto editado e adaptado a partir do original, que foi escrito por Samuel Fernando e postado no grupo (Etologia & Sociobiologia ‒ Grupo). 

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